Saudades de Casa
Um tema tão intenso e tão falado nos últimos tempos por causa da pandemia. Mãe sem poder ver os filhos, avó sem poder ver os netos, famílias sem abraços e beijos. Ficamos todos tão chocados com a forma que as coisas aconteceram, tão rápido, de maneira que não queríamos ou estávamos prontos para enfrentar. Sem aviso, sem alerta, sem manual de instruções. Uma onda que trouxe medo e incertezas.
Claro que 2020 e 2021 são anos que ficarão na nossa história, eles nos fizeram refletir. Dois anos onde o mundo parou e nós tivemos que ter um olhar diferente sobre as nossas vidas, como se fossemos observadores da nossa própria história.
Mas quando somos expatriados, esta saudade de casa é uma constante que aprendemos ou temos que aprender a lidar.
Deixar nosso país pra trás e tudo que conhecemos é uma das coisas mais difíceis de fazer. Começar de novo, do zero, sem conhecer nada nem ninguém, casa nova, escola nova, tudo novo, não é uma tarefa fácil. É um processo de muita paciência e muito aprendizado.
Existe também a parte onde a maravilha do morar fora começa. Onde somos colocados em circunstâncias que não estávamos acostumados, em contrastes que se pudéssemos escolher não escolheríamos. Somos obrigados a sair da nossa zona de conforto constantemente, aprendendo muito sobre a força e coragem que temos dentro. Aprendemos a apreciar outra cultura, a criar uma nova família com os amigos no novo país, a sermos quem somos dentro de tanta novidade.
Para alguns no Brasil, viramos alienígenas. Viramos aquelas pessoas que não sabem dos assuntos do dia-a-dia, da fofoca das novelas, das noticias locais, das novas músicas. Viramos aquelas pessoas que querem falar do mundo lá fora, das coisas incríveis que fizemos; dos passeios maravilhosos que curtimos, dos perrengues que passamos; das viagens de mais de 21 horas de voo passando por diferentes países. Vivemos do outro lado mundo.
Morar fora nos abre a cabeça, nos mostra caminhos diferentes, nos faz aprender outros idiomas, nos faz querer fazer coisas novas.
A saudade de casa é uma parte de todo esse novo mundo que se abre. Quando saímos de casa, temos a consciência de tudo que não vamos poder participar; das festas, dos casamentos, dos nascimentos, dos almoços de domingo em família, dos velórios, e de tudo que esta passando ali no Brasil.
A saudade de casa é uma decisão. É algo implícito no momento de morar fora. É parte do processo.
Meu pai foi um imigrante. Ele saiu de Portugal para viver no Brasil aos 23 anos de idade. Ele fez do Brasil a sua casa e viveu ali por mais de 60 anos. Talvez por ter uma pessoa dentro de casa que passou pela mesma saudade, foi algo que sempre me deixou mais tranquila. A força que ele teve sempre me inspirou e me deu força. Ele ficou 40 anos sem voltar pra casa. A primeira vez que ele voltou, eu e minha mãe fizemos essa viagem a Portugal com ele, na verdade, achando que ele ia enfartar com a emoção. Mas ele não enfartou não, foi um momento incrível ver a ele indo à aldeia onde cresceu e ver tudo tão diferente, ver os abraços com os familiares e os reencontros com os irmãos. Meu pai morou fora numa época sem internet, sem telefone, sem vídeo para fazer contato. Era através de cartas que as notícias chegavam, com atrasos e sem tantas informações. Eu me sinto privilegiada de poder passar pela mesma experiência com tantas possibilidades de conexões.
Talvez por ter visto esta história acontecendo bem na minha frente, entendi que eu poderia suportar muitas coisa e entendi o poder da resiliência.
Desde maio de 2020, eu convivi com o câncer da minha mãe à distância. Foi um processo único, difícil e maravilhoso ao mesmo tempo. Ela faleceu no começo de agosto deste ano, sem que eu pudesse vê-la pessoalmente. Mas eu aprendi que a distância não me impediu de estar ainda mais próxima dela. Fortalecemos nosso relacionamento. Tivemos conversas profundas, abertas, de esclarecimento, posso dizer que foram incríveis. A morte dela trouxe muita paz pra minha vida e me mostrou que a distância não significa nada ruim. Que a distância é somente isso, distância.
É sempre muito legal ir para casa todos os anos, ou a cada dois anos. Quando vem algo externo que nos tira esta possibilidade, ficamos frustrados, alguns até depressivos, mas a maioria talvez sinta como que sua liberdade tivesse sido tirada das suas mãos.
O que eu aprendi ao longo dos meus 16 anos fora é que a nossa liberdade está em como vamos nos sentir, independente dos acontecimentos. Entendi que a liberdade é encontrar nossa alegria onde quer que nós estejamos. A liberdade de sermos quem somos, sem nos preocuparmos com o que os outros pensam. A liberdade de viver nossas experiências, sem culpa de sermos felizes. A liberdade de viver a nossa vida como quisermos.
A saudade de casa é parte da gente. A saudade de casa nos faz melhores. A saudade de casa nos faz mais fortes. A saudade de casa nos faz sermos mais nós mesmos.
Sempre é bom voltar, mas é também maravilhoso poder ir.
Claudia Gomes
Diretora da BTCC Social
Claudia Gomes é Coach Profissional de Liderança e Transformacional. Natural de São Paulo. É a Presidente da BTCC Social desde de Setembro de 2018. www.claudiagomes.coach
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