Por Cristina Lousa Borges
“Não há uma língua, há línguas em português” – José Saramago
A frase de Saramago sumariza na perfeição a complexidade da língua portuguesa. Na verdade, é impossível pensar numa única língua, quando os portugueses se aventuraram pelo mundo, difundindo a sua cultura, culinária, religião e expressão. Já se escreveram inúmeros textos sobre a diversidade da língua portuguesa, acerca dos rastos deixados até aos nossos dias em países tão diversos e dissociados entre si. Rastos que foram incorporados por culturas longínquas e adotaram novas identidades. Passado mais de meio século, poucas pessoas associam o Tempura aos peixinhos da horta, o Vindaloo ao vinha d´alhos ou o Kroncong ao cavaquinho.
Apesar de não existirem países monolingues a comunicação seguiu o seu rumo com naturalidade. Todo o seu plurilinguismo veio dar origem aos crioulos de base lexical portuguesa e às variedades de português faladas no Brasil, que surgiram com a exploração da África, Ásia, Oceânia e América. Com todo o enriquecimento léxico, fonológico e cultural, que esse fenómeno contribuiu para a língua portuguesa, é imperatório deixar de ver o português de Portugal como uma língua confinada aos limites geográficos do país. A língua portuguesa nos países como o Brasil, Angola ou Moçambique transformou-se muito mais e absorveu muito mais elementos da própria cultura do que em Portugal. Para encarar a língua portuguesa é necessário tornar inteligível uma imensa cultura amalgamada. Mesmo que uma única língua desempenhe um papel primordial na perspetiva política, não significa que ocupe o mesmo espaço dominante em termos sociais. A língua portuguesa pode ser a língua oficial de vários Estados, no entanto, isso não a torna obrigatoriamente na língua materna falada pela maioria dos habitantes desses países.
Traduzir um texto literário português não é apenas uma questão de palavras, é transmitir várias línguas ao mesmo tempo, com todas as suas variações e influências dos povos indígenas e idioletos. Parece-me absurdo as editoras em Portugal acharem necessário “traduzir” obras de autores brasileiros para português de Portugal, como se de duas línguas distintas se tratasse. Seria bastante mais adequado à situação atual começar a encarar a lusofonia não como o número de pessoas que falam português, mas o que esse denominador comum permite alcançar culturalmente. Em alusão fortuita a Mia Couto, afinal, são mais de 200 milhões de pessoas que sonham nas várias línguas em português.
"Somos hoje 281 milhões de falantes da Língua Portuguesa, com tendência para alcançar os 500 milhões até final do século.
O Português é a 1ª língua mais falada em todo o hemisfério sul e a 5ª língua mais falada no mundo. Só isso já é motivo de orgulho e celebração."
Foto&legenda : https://www.tempusart.com/home-pt
Cristina Lousa Borges
Natural de Lisboa, Portugal. Reside em Bangkok desde 2015 com a família, 2 filhas de 8 e 12 anos. Tradutora de formação e artesã de joalheria por paixão.
Membro da BTCC Social desde Março de 2021.
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